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3/09/2006

Pensar � transgredir, gente!

 
                         
                          
 
 
 

                          QUANTO  PIOR,  MELHOR

                                                                              por Lya Luft  
                                                                             (Veja, 23/02/2005)      
 
                          Tão rígidos somos que qualquer coisa que fuja ao nosso gosto pessoal, tantas vezes duvidoso, é posta no índex. Esse filme ? Nem pensar, o diretor é desconhecido ou não cabe no quadro dos nossos preconceitos. O livro ? Imagine, o autor ou autora foi malhado pela crítica. Cuidado: quem não tem mente aberta não gosta nem entende de arte.
Virginia Woolf dizia que o verdadeiro artista e crítico deveria ter pelo menos “a mente andrógina”. e nós com tanto medo de que alguém desconfie de que não somos 100% macho ou fêmea... Pobre inseguros, metidos na armadura da arrogância – que só na juventude pode ter lá sua graça; depois, é de uma chatice monumental. Por que não comtemplar tudo e depois escolher ? Afinal, energia atômica mata, mas também cura o câncer.
                          Faz algum tempo, ando implicante com as implicâncias que me assediam: alguém me telefona para dizer que escolhi um membro de sua família do qual jamais ouvi falar, para esculachar em uma coluna;  outro me diz que viu seu pai em um de meus primeiros romances, escrito quando o ofendido nem teria nascido. A loucura geral se espalha em forma de burrice ou impertinência. Fico a pensar em que eu escapo disso, em que sou cúmplice e participante.
                          Eu sei, vou ficando implicante também. Sendo pouco original, os temas que abordo são invariavelmente os humanos, também nada originais: família, desencontro, desrespeito, ressentimento, pouca estima por si e pelo outro, baixaria, mistério, morte, desperdício de vida ou vidas que podiam crescer mas encolhem à sombra da mágoa e da futilidade. E também nosso problema com quietude e silêncio: o barulho como acompanhamento permanente. Restaurantes do mais simples ao razoável (nos bem sofisticados ainda não é assim, mas aí o bolso chia) têm o som sempre aberto em todos os decibéis, ou pior: música ao vivo, supremo agrado ao cliente. Como pedir ao cantor, ao tecladista, ao saxofonista, que baixe um pouco o tom para a gente não só conversar em vez de gritar, mas ouvir o que ele toca ?
                          Praia, agora, tem auto-falante ou pequenos palcos onde alguém tenta animar os veranistas que de outro modo, em lugar de conversar, brincar e aproveitar a praia para curtir o mar e descansar, iam morrer de apatia. Num desses pequenos palcos, escutei outro dia, olhando o mar de minha sacada, todo um desfile de cães: com “vestidinho de brodeire e rendas”, com “calça de veludo devoré” (seja lá o que isso for). Acho que disseram “meias e sapatinhos”, mas não ousei espiar. Festa infantil deve ser um tormento constante para as crianças. Recreacionistas podem ser um alívio quando os pequenos formam um mar de mini-tsunamis incontroláveis. Mas me fica a idéia de que ninguém mais sabe brincar ao natural. Música dirigida, brincadeiras dirigidas, a vida toda dirigida como manada: repito, somos manada, a salvação é transgredir ao menos pensando.
                           Somos muitas vezes títeres comandados, buscando uma felicidade mensurável em dinheiro, decibéis e contorções. Até o sexo começa a ser dirigido – ternura, paixão, sensualidade boa...trocadas por acrobacias, ordens, receitas. Temos os manuais de prazer, de etiqueta, de ganhar dinheiro, de fazer sucesso e ser competente, manuais de vida.
                           De morte acho que também. Logo vou investigar qual a melhor posição, a hora do dia e, quem sabe, a música ao vivo para acompanhar a minha despedida deste mundo estranho e por isso fascinante, matéria viva de muitos futuros livros e cogitações.
 
 

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